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Bandeirinha da FPF denuncia retaliações e homofobia por parte da Comissão de Arbitragem de PE

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Por Vittória Fialho

Por Vittória Fialho

Postado dia 14 de setembro de 2022

“Sinto como se tivesse tirado um caminhão das minhas costas e ao mesmo tempo me distanciado do meu sonho”. O sentimento conflitante brota depois de John Andson, gay e assistente de arbitragem da Federação Pernambucana de Futebol (FPF) – e da CBF -, muito relutar. E sucedido da coragem. Em entrevista ao Fórum Esportivo da Rádio Jornal, na noite da última terça-feira, ele denunciou pela primeira vez, publicamente, a série de ataques homofóbicos sofrida – também – dentro do espaço de trabalho.

Intimidações, importunações e sucessivas situações de constrangimento. Todas essas provocadas por uma liderança da Comissão Estadual de Arbitragem de Futebol (CEAF). A relação de hierarquia, por si só, no entanto, nunca intimidou John. O que sufocava era o ambiente, que o assistente define como “autoritário e militarista”. Sem espaço para o diálogo.

Permanecer em silêncio, contudo, não foi a escolha final de John Andson. À reportagem do NE45, o assistente de arbitragem dividiu sua história de amor com o futebol, desabafou sobre o preconceito enfrentado na profissão e defendeu a oportunidade de ajudar outras pessoas.

John, seu avô e o rádio

Faz tempo, mas não suficiente para escapar da memória. Desde novo, John tinha a figura do seu avô como elo com o futebol. Sempre gostou do esporte, mas a estreita relação com Senhor Vicente lhe deu, para além de um laço mais forte, manias. A principal delas é, até hoje, assistir aos jogos pela televisão com o rádio na mão. Tudo ao mesmo tempo.


Do sonho de ser árbitro, cultivado desde os 15 anos e alimentado pela relação com o rádio, John sempre soube onde queria chegar. O que ele não contava é que seria a partir do meio – e sem nem mesmo se planejar – que falaria publicamente pela primeira vez sobre as violências sofridas exercendo a profissão tão almejada.

“Surgiu na hora. Eu já estava muito emocionado, me tremendo. Eu sou mole, choro por tudo. Percebi que se soubessem de 1% de tudo, iriam se impressionar. Às vezes a gente precisa se conter. Por mais que eu tenha falado sobre, tem coisas que fogem a mim. É muito duro tudo isso. E eu não posso fazer muita coisa. O que está ao meu alcance, estou fazendo”, afirmou.

Até se encontrar profissionalmente com a arbitragem, em 2017, quando iniciou o curso, John se formou em Administração e Educação Física, além de iniciar a graduação em Farmácia. Só conseguiu fazer o curso para se tornar assistente quando tinha 26 anos. Na época, ainda não tinha condições de arcar com os custos dos estudos, mas recebeu a ajuda de um ex-companheiro.

Dor frequente

Das violências hoje públicas às que seguem guardadas: John lembra exatamente de todas as situações vividas desde que o sonho de trabalhar na arbitragem se materializou. Constrangimentos feitos de forma privada ou em público. Pessoalmente ou por mensagem. O fato é que a intimidação existia. E com frequência.

“Não temo essas informações porque todas elas aconteceram. Na nossa pré-temporada, por exemplo, um líder, diante de todo o grupo, disse que ‘priquito era muito bom e que o homem nasceu para a mulher‘. Com essas palavras. O que faz um gestor, sabendo que tem um homossexual ali, e ciente de toda a homofobia que existe, dizer isso? E se fosse o contrário? Por que eu tenho que aceitar? Por que eu tenho que me calar?”, questiona.

“Porque, se não, eu não ganho escala”, responde o próprio, logo depois. O silêncio e a impunidade questionados por John têm um desdobramento perigoso: fazer parecer natural, dentro do ambiente, as violências que seguiam acontecendo.

“A mesma pessoa já me ligou pedindo para eu apagar uma foto no Instagram. O motivo foi porque eu estava de sunga, na praia. Para se ter ideia do absurdo. E não é assim com todos eles. Tirei print de fotos de outros árbitros, héteros, de sunga, beijando suas esposas, namoradas, e eles não falam nada. Só incomoda quando é comigo, que sou gay“, denuncia.  

John relata, ainda, o surgimento de um boato dentro de um dos grupos do WhatsApp. De acordo com o assistente, a notícia falsa de que havia se relacionado sexualmente com um árbitro do quadro se espalhou. E, apesar da situação ter sido ‘resolvida’, com um pedido de desculpas – aceito -, a história já havia se espalhado. E nada foi feito por parte dos líderes.

Sem espaço

Para além da queda no número de jogos, a natureza das competições também mudou. Se em 2020, quando estreou como assistente de arbitragem, foi acionado em 15 oportunidades, em 2022, até o momento, só esteve em ação somente seis vezes. Da oportunidade no Campeonato Brasileiro da Série B às competições amadoras. Esportiva e financeiramente, a perda de espaço foi sentida.

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John, ao fundo, em ação no Brasileiro A3 feminino. Crédito: Rafael Vieira/FPF

“Estreei na Série B, em Maceió, fiz jogo da Ponte Preta, Operário… Oque me chama a atenção foi eu ter estreado na Segunda Divisão. Porque o normal é você começar na D e depois ir subindo. D, C, B e A. Mas eu fui direto para a B. Fiz cinco jogos. Todos eles tinham analistas de campo e de vídeo, que têm a função de fazer um relatório dos nossos erros e acertos. Nesses históricos, sempre recebi elogios”, ressaltou.

“Então, por que estou há dois anos sem uma partida da Série B? Eu quero que eles respondam“, exige John. “A Série B é a vitrine para a A. Mas a partir do momento que eles colocam você na D e te dão um ou dois jogos somente durante o ano, como é possível sobreviver?”, complementa.

E John questiona exatamente o que vive hoje. Ele conta com a ajuda financeira de terceiros para garantir a alimentação e o pagamento do plano de saúde. Se quando recebeu cinco oportunidades na Segundona ganhava em média R$ 2.200 por partida, agora, luta para sobreviver com menos de R$ 400 por mês.

“Me escalaram para trabalhar no último domingo, na Copa do Interior, em Palmares. Não é uma competição profissional. Recebi R$ 108. E tem sido assim. Ninguém se sustenta com esse dinheiro. Ainda mais sendo chamado para um jogo perdido”, disse.

Sem perspectivas, John afirma acreditar em escolhas direcionadas, já que não entende o motivo do afastamento. “Coloco o meu escudo à mesa para a CBF fazer o que já queria, que é acabar com a minha carreira“, defende.

Sem diálogo e sem punição

John nunca recebeu respostas efetivas sobre a sua situação. Pelo contrário, via, dia após dia, os constrangimentos se tornarem naturais. Além de não ver empenho da CEAF – e nem da FPF – a nível estadual, tampouco teve sua situação analisada pela CBF.

“Esperava que os membros da Comissão Estadual fizessem uma reunião, convocassem todo mundo e colocassem ordens. Que punissem tamanho preconceito, homofobia. Tamanha falta de empatia. De tudo. Porque eu sou um ser humano. Tenho que ter o respeito deles. E eu não estava tendo esse respeito nem mesmo por parte das lideranças”, externou.

Procurado pela reportagem, Sebastião Rufino Filho, ex-árbitro e presidente da Comissão, não respondeu às tentativas de contato até a divulgação desta matéria.

Apesar de tudo, John reluta em abrir mão do sonho

Não é por falta de caminho para seguir. Bacharel em Administração e em Educação Física, além ser graduando em Farmácia, John tem, sim, outras alternativas no campo profissional. No entanto, buscar um novo emprego significa abandonar o sonho de trabalhar com a arbitragem – e com o futebol.

“Tem sido muito delicado. Por ser o meu sonho, eu penso muito. Quando a escala vem, ela não diz antecipadamente o horário, o dia. Pode vir dia de semana, pode vir o dia que for. Você precisa estar disponível. Qual emprego que eu vou estar livre dia de semana? Fico nessa corda bamba: arrumar um emprego e sair da arbitragem ou seguir o meu sonho e passar necessidade?”, lamenta.

“Mas não tem como continuar morrendo de fome. Não tem como escolher ficar em um ambiente onde eu vi que não tinha solução. Eu tentei lutar com as minhas forças internas. Fiz de tudo para não precisar falar publicamente sobre tudo isso. Mas a partir do momento que o meu almoço está sendo o jantar do dia anterior, não dá para segurar”, continuou.

O que esperar daqui para frente?

Acho que estou morto dentro da arbitragem. Os líderes vão tentar acabar ainda mais comigo. Não espero outro tipo de retaliação que não seja acabar, de fato, comigo”, teme John. De acordo com o assistente, a sua única esperança é a palavra final ser de Evandro Carvalho, atual presidente da FPF e com quem construiu boa relação.

“Ele é quem manda na Comissão. Ele manda nessas pessoas que falaram todos esses absurdos. Ele tem o poder de proibir que acabem com a minha carreira. Há uns quatro ou cinco meses, ele me ligou e me chamou para conversar. Nos reunimos, passei tudo para ele, mas até o momento não tive um retorno sobre”, disse.

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John entra em campo com o quarteto de arbitragem. Crédito: Rafael Vieira/FPF.

Em contato com a reportagem, Evandro afirmou que não iria comentar o caso. Disse estar envolvido nas eleições da Federação, que foi adiada. Ainda, o presidente afirmou que a entidade não cogita se posicionar sobre as denúncias feitas por John Andson.

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