Na última semana, cresceu o rumor do acerto entre o Santa Cruz e o atacante Wallace Pernambucano, ex-Náutico e atualmente no América/RN. O NE45 cravou o acordo e noticiou a chegada de Wallace ao Arruda após o Campeonato Potiguar, uma condição que deve ser antecipada pois é bastante provável a eliminação precoce do alvirrubro potiguar no certame estadual já nesta semana. Ainda que não seja uma contratação oficializada pelo clube, debater a possibilidade da chegada do “Tanque” ao tricolor é importante para entender tanto a pretensão dos corais em obtê-lo quanto para medir se essa é uma pretensão adequada. De fato, o fato de ainda não ser um reforço consumado do Santa Cruz é útil para as pretensões deste exame, visto que será palpitado, ao fim do texto, se a potencial investida é um acerto ou um erro da cúpula tricolor.
Uma observação prévia necessária ao leitor que possa não estar familiarizado com a linha editorial deste que vos escreve. Os textos em minha página costumam ter um viés pautado na análise de desempenho e mercado, área de atuação exercida ao longo de um ano no próprio América/RN. O intuito do texto é explicitar maneiras de se pesar um nome que vão além dos scouts básicos e das inferências mais óbvias.
Inicio a análise com a tentativa de compreender a dor de mercado que faz o Santa Cruz buscar um centroavante para seu plantel. A incapacidade demonstrada pelos outros atacantes de suprir o papel artilheiro ora exercido por Pipico, em franco declínio, motiva a diretoria tricolor a tentar comprar uma cota garantida de gols; em Wallace, o Santa procura um atleta que chegue para melhorar os inexpressivos números ofensivos. É a solução simples para um problema padrão: durante uma escassez de gols, tragam um artilheiro.
Mergulhemos, então, na avaliação da capacidade de Wallace Pernambucano de garantir a cota de gols desejada pelo Santa Cruz. O atacante, que durante a maior parte da carreira foi meia, vive uma consolidação na posição de centroavante: foi o artilheiro da Série D em 2020, com 12 gols, e é atual artilheiro do Campeonato Potiguar com 13 gols em 13 jogos. Números expressivos, mas que precisam ser contextualizados. Listo, abaixo, algumas considerações relevantes:
- Os atacantes são os atletas mais valorizados no futebol. Dentro da posição mais valorizada, buscar atletas valorizados tende a ser um negócio oneroso.
- Desempenho não é algo portátil. A busca por uma cota de gols pode ser perigosa quando se pensa em números frios. Os números de Wallace são os números de Wallace no América. Diversos são os casos de clubes que investiram em artilheiros na expectativa pela reprodução dos gols marcados num determinado contexto e acabaram colhendo frustração. Podemos citar os casos recentes de Salatiel, um dos artilheiros da Série C 2019 pelo Sampaio Corrêa com 8 gols e que, ao longo de meses defendendo o Náutico, marcou apenas 2. Um atleta que dividiu a artilharia com Salatiel foi Negueba, que assinalou 8 gols pelo Globo e foi contratado por Vitória/BA e Santa Cruz sem conseguir deixar sua marca, retornando ao Globo.
- Quando se investe em atacantes de sucesso recente, o retorno sobre o investimento tende a ser colhido no médio prazo. Avaliemos o próprio Wallace PE, no América/RN. Wallace chegou ao alvirrubro potiguar com grande pompa, egresso do Náutico campeão da Série C 2019. Contudo, os números de Wallace não eram significativos: apesar de ter jogado todos os 24 jogos do alvirrubro pernambucano, o “Tanque” anotou apenas 3 gols ao longo da campanha. Até a chegada ao América, a temporada com mais gols de Wallace havia sido justamente a de 2019 (12, distribuídos entre Campeonato Pernambucano, Copa do Nordeste e Série C). O América contratou Wallace esperando um artilheiro, e acabou vivendo grande frustração inicial: nos 26 primeiros jogos de Wallace com a camisa do Dragão, apenas 7 gols foram marcados, sendo 3 deles de pênalti. Somente após se ver minado pelos momentos artilheiros de Tiago Orobó (atualmente no Londrina), entre janeiro e março/20, e de Zé Eduardo (Cruzeiro), de agosto à setembro, é que Wallace encontrou, consistentemente, o caminho das redes.
- Contexto é primordial. Os gols marcados por Wallace, na Série D, vieram após uma assimilação do plantel americano do modelo de jogo do então treinador Paulinho Kobayashi, que primava por viradas de jogo constantes e que acabavam, constantemente, por deixar os jogadores desmarcados nos lados do campo. Wallace se valeu deste expediente e anotou tentos diversos oriundos dos cruzamentos de Everton Silva (lateral-direito) e Romarinho (volante). Há similaridade entre o modelo de jogo de Kobayashi e o de Bolívar? Esta é a pergunta que deve(ria) basear todo o interesse em Wallace Pernambucano. E, uma vez respondida, ainda é necessário considerar: dos 13 gols marcados no Campeonato Potiguar 2021, 5 foram de pênalti; o número absoluto é expressivo, mas num campeonato de baixíssimo nível técnico, contra times que estão longe do nível de Paysandu, Floresta, Ferroviário e Volta Redonda, por exemplo. Esse desnível precisa ser parte da avaliação, visto que a busca por uma cota de gols não pode ser confundida com a importação de gols: contratar Wallace Pernambucano não garante, no Santa Cruz, a reprodução dos números vistos no América/RN.
Encerro, parcialmente, as considerações. Há outras a serem feitas, mas que precisam ser precedidas pela inserção de um termo pouco utilizado no futebol: valuation. No ambiente corporativo, a expressão compreende a avaliação de um determinado ativo a fim de determinar seu valor. É possível dizer que Wallace Pernambucano é um ativo humano do clube que o tem em seu plantel. Na matéria supracitada do NE45 que antecipa o acordo entre Wallace Pernambucano e o Santa Cruz, foi exposto o valor salarial definido pelas partes: aproximadamente R$ 40.000,00. A partir deste número, o valuation será realizado para estimar a faixa salarial adequada para Wallace Pernambucano, levando em consideração as necessidades dos corais. (O valuation poderia, ainda, ser feito para definir um valor de mercado referente à multa contratual do atleta; como há no contrato do jogador com o América/RN uma cláusula liberatória para clubes acima da Série D, e também em função da idade elevada do jogador, não tentarei estimar o valor de compra de Wallace Pernambucano).
Feita essa explanação e levando em conta as considerações prévias, inicio o valuation de Wallace Pernambucano considerando o histórico de seu salário. No Náutico, de 2018 a 2019, recebia valores mensais na faixa dos R$ 30.000,00. Condição mantida quando de seu empréstimo ao Brasil de Pelotas, na reta final da Série B 2018, e quando de sua contratação pelo América/RN no fim de 2019. Wallace chegou ao dragão potiguar com o maior salário do elenco, acrescido de um auxílio moradia, condição que não destoava da vivida no Ceará, em 2017. São 4 temporadas habitando a mesma faixa de mercado: proventos jamais abaixo dos R$ 30.000,00 e sem ultrapassar os R$ 35.000,00.
Novo adendo: há uma diferença entre o valuation e o preço, que pode ser ilustrada didaticamente com exemplos do ramo imobiliário. Um imóvel pode ser avaliado em R$ 1.000.000,00 de acordo com sua metragem, sua localização e outros fatores que balizam a avaliação; ainda assim, é possível que seu preço de venda venha a ser menor ou maior de que o milhão citado, por motivos variados:
- Pode ser menor caso o proprietário precise se desfazer do imóvel com rapidez para obter liquidez, forçando uma aceitação a propostas abaixo do valor de mercado estipulado. O poder de definição do preço, neste caso, tende a ser do comprador;
- Pode ser maior caso o potencial comprador precise de um imóvel com as características específicas daquele em posse do proprietário e não existam outras alternativas similares. Caso o dono do imóvel tenha ciência dessa adequação, o poder de definição do preço tende a ser do vendedor.
Fiz este adendo pois ainda que o mercado tenha posicionado Wallace como um atleta avaliado em R$ 30.000,00/mês, determinados contextos podem inflacionar ou deflacionar este posicionamento. Repito, o intuito do material é medir se os R$ 40.000,00 que o Santa Cruz está disposto a dispender são adequados dentro da contextualização de clube e atleta.
Recapitulemos os pontos-chave elencados: carente de um homem-gol e buscando investir numa cota garantida de bolas na rede, o Santa Cruz procura um atacante, posição naturalmente inflacionada, cujo desempenho recente provoca uma tendência inflacionária em seu preço. Esse desempenho foi produzido, na Série D, dentro de um modelo de jogo que gerava espaços nos corredores laterais, com os jogadores que povoavam esses corredores sendo especialistas em bolas cruzadas e, no Campeonato Estadual, diante de adversários cujo nível técnico não serve para balizar as dificuldades que serão encontradas no Santa Cruz na Série C. Nesta competição, inclusive, a última participação de Wallace foi marcada por apenas 3 gols em 24 jogos.
Realizada a contextualização do jogador, avaliemos as condições do Santa Cruz. O clube, em sua quarta temporada consecutiva na Série C, está longe de se ver calibrado em recursos. Mesmo assim, há no elenco um considerável grupo de jogadores cujo patamar salarial se assemelha ao de Wallace Pernambucano: Derley, Chiquinho, Pipico e o recém-contratado Rondinelly. A adição de mais R$ 40.000,00 a uma folha já cara para o perfil da competição, por si só, é um risco, mas há um fator multiplicador: a existência de dois jogadores no elenco que jogam na mesma posição.
- O recém-contratado Adriano “Michael Jackson”, egresso da Jacuipense. Famoso pelos gols no Bahia na Série B de 2010, foi trazido na leva derradeira que representou o all-in dado pelo Santa Cruz para ter um calendário preenchido no início de 2022. A busca tão precoce por um novo centroavante mostra que o atleta é visto como uma incógnita, o que suscita a questão: por que foi contratado? Sem Adriano no elenco, a margem para contratação de um novo centroavante seria maior. Inclusive, na véspera da publicação deste post, surgiu o rumor de uma possível saída do atacante, negada pelo executivo de futebol coral, Fabiano Melo.
- Pipico, grande xodó coral nas últimas temporadas. Há uma considerável derrocada do atleta na atual temporada, e sem dúvidas este é um ponto de latente preocupação. Entretanto, buscar um melhor entendimento no tocante a tal declínio não seria um investimento menor e mais assertivo? Recuperar um jogador já testado, e que possui, na Série C, números melhores que o próprio Wallace, parece uma alternativa mais inteligente para um clube cuja economia deve(ria) ser prioridade.
Somados os contextos, passemos ao diagnóstico. Baseado em fundamentos de mercado já explicitados, acredito que a possibilidade da contratação de Wallace Pernambucano pelo Santa Cruz representa um erro característico dos gestores de futebol que enxergam o desempenho como algo portátil, como se gols pudessem ser importados. O alto investimento poderia ser justificado caso ou não houvessem jogadores numa quantidade suficiente para a posição OU atletas de um patamar salarial parelho, como é o caso de ao menos outros quatro atletas no plantel. A soma desses cenários torna a possibilidade de contratação, sobretudo no molde financeiro previsto, contraproducente.
No valuation, o patamar de R$ 30.000,00 mensais na qual foi pautado o salário de Wallace Pernambucano nos últimos anos é acrescido de aproximadamente mais R$ 10.000,00, um suplemento oriundo da fase artilheira vivida pelo jogador no América/RN. As considerações já feitas à respeito tanto do modelo de jogo implantado na temporada 2020 quanto do baixo nível competitivo vivido em 2021 são ofensores ao acréscimo citado. O Santa Cruz poderia se valer de abordagens de negociação voltadas para a manutenção do salário no valor “habitual” explorando, por exemplo, a proximidade da residência do atacante, natural de Escada/PE, e o Recife, além da vitrine mais valiosa da Série C em comparação à D. Contudo, para o autor, em virtude da configuração do plantel tricolor, tal investimento ainda seria inadequado. Obviamente, esta é uma leitura que pode vir a ser invalidada, caso o Santa Cruz venha, de fato, a oficializar a contratação de Wallace e este consiga ter um desempenho que o consagre no clube coral. A meta desta publicação não é cravar (e nem torcer para) o insucesso de Wallace Pernambucano como jogador do Santa Cruz; apenas expor uma avaliação, baseada em critérios e fundamentos de mercado, que indicam uma movimentação incoerente de acordo com a estrutura, os anseios e as necessidades tricolores.
Boa análise, muito interessante a parte do valuation. Senti falta da consideração sobre as características do atleta (altura, força, saber fazer o pivô, etc.) e como poderia potencializar o time.