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Textão necessário: A sobrevivência do Sport na Série em quatro capítulos

Fred Figueiroa, Colunistas, Sport

Por Fred Figueiroa

Por Fred Figueiroa

Postado dia 22 de fevereiro de 2021

Antes do início da Série A havia um consenso – muito além das divisas de Pernambuco – de que o Sport seria um dos quatro rebaixados na edição 2020. Nem tinha como ser diferente. O clube do Recife chegava ao campeonato depois do pior início de temporada da sua história. Eliminado na primeira fase do Estadual e da Copa do Brasil – sendo derrotado por adversários das séries C e D – e com uma campanha de baixo desempenho na Copa do Nordeste. Tudo estava fora dos trilhos. E para um clube imerso em uma crise financeira profunda e com a maior parte das receitas comprometidas, estar fora dos trilhos na véspera da primeira divisão é uma condenação. Uma sentença prévia do fracasso.

Antes de seguir a história é preciso voltar um pouco no tempo.

Prólogo: A transição de 2019 para 2020

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O cenário de terra arrasada pós-rebaixamento de 2018 deixou o Sport em profundo colapso financeiro, técnico e moral. Como se estivesse agarrado com apenas uma mão em um fio trêmulo sobre um precipício. Um movimento errado e despencaria. A temporada 2019 basicamente não tinha margem de erro. E se havia uma mínima, ela se perdeu rapidamente na contratação de Milton Cruz como treinador e manutenção de Magrão como goleiro titular. Aqui entra em cena o primeiro personagem decisivo para o Sport reverter a curva de deterioração: Guto Ferreira. Um treinador que habitava um degrau do mercado acima do alcance do clube naquele momento, mas que aceitou (e abraçou) o projeto oferecido.


Nas mãos de Guto, o Sport enfim parou de sangrar. Estabilizou. Era um elenco condizente com o grau de dificuldade da temporada e, logo, ganhou consistência e foi se desenvolvendo gradualmente dentro da sua natural limitação. As nuvens pesadas se dissiparam e a perspectiva de uma temporada dramática se transformou na campanha de acesso mais segura da história do clube.

A conta do acesso, inevitavelmente, foi alta: Prejuízo de R$ 22 milhões no ano. Mas, convenhamos, não precisa ser economista para entender que este é o preço aceitável para uma vaga na Série A.

Capítulo 1: Os 40 dias que abalaram o ano

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Aqui entramos em 2020. Dívidas antigas foram sendo empurradas, dívidas novas criadas e – o mais assustador – o horizonte desenhava um comprometimento grave das receitas. O Sport voltou para a primeira divisão sem ter acesso ao mínimo de recursos que a própria competição distribui. Precisaria, novamente, reduzir a margem de erro para quase zero. A única vantagem era que, desta vez, a transição havia sido feita em um cenário de estabilidade. Porém essa vantagem virou pó em uma velocidade impressionante.

Era fevereiro e Guto Ferreira já havia sido demitido; o elenco era contestado dos goleiros aos centroavantes; o público era escasso nos jogos; o planejamento foi rasgado com titulares no Estadual e reservas na Copa do Nordeste; presidente e diretores xingavam torcedores nas redes sociais; e as inquietações políticas começavam a borbulhar de dentro para fora e de fora para dentro. O mais absoluto caos. Repito: em fevereiro. Tudo o que não aconteceu em 2019 veio como uma avalanche nas primeiras semanas de 2020. E assim seguiu. Esta bomba foi entregue nas mãos de Daniel Paulista em uma escolha assumida pelo próprio Milton Bivar sem nenhum critério fundamentado. Era uma aposta. Cedo demais, o clube entrou para a “cota do milagre”.

Capítulo 2: O jogo que indicou o caminho

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Pandemia. Paralisação. Agravamento do colapso financeiro.

Quando o futebol retornou em agosto, o Sport era uma versão enfraquecida e com ainda menos perspectivas de evolução. Vexame no Pernambucano e classificação sem mérito na Copa do Nordeste. Pela frente, nas quartas de final, o então poderoso Fortaleza. Ali considerado o melhor time da região. Não havia como projetar competitividade com o rubro-negro enfrentando de igual para igual. Daniel fez a leitura correta e armou um sistema extremamente defensivo, com três zagueiros. Click. Naquele jogo, uma porta se abriu para 2020. Havia, ali, um caminho. Com apenas três dias de treino, os jogadores mostraram uma solidez defensiva exemplar. O Sport quase não correu riscos e esteve mais perto do gol que o adversário. Este é um capítulo fundamental sobre a temporada.

Daniel Paulista, entretanto, guardou na gaveta a lição daquela tarde. Uma vitória completamente fora da curva na estreia da Série A diante do Ceará – e que considero, até hoje, uma das três fundamentais para a permanência – deixou o promissor treinador ainda mais distante do eixo. Da realidade daquele time. A primeira divisão, entretanto, trata rapidamente de impor a realidade de volta. Sem o básico de qualidade e competitividade, o Sport afundou.

Capítulo 3: O Venturismo

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Aqui entra o personagem principal da história: Jair Ventura. Ao contrário da escolha por Daniel Paulista, desta vez a direção fez uma contratação pavimentada em elementos concretos. O clube contratou um modelo de jogo. Uma visão de futebol estratégica e fria. Uma sobrevivência. Havia um parâmetro – o Botafogo de 2016 – e uma clara consciência de que aquele era o máximo que o elenco de 2020 poderia alcançar. O único caminho possível. Não foi possível repetir aquele Botafogo. Faltaram peças para o quebra-cabeças encaixar. O conceito ideal de Ventura ficou pela metade. Mas esta “metade” foi suficiente para reestabelecer a competitividade, reacender a chama dos jogadores e garantir uma campanha, dentro de toda limitação existente, relativamente segura.

No segundo jogo sob o comando de Jair Ventura – aquela vitória sobre o Grêmio em Porto Alegre – o Sport saiu da zona de rebaixamento e nunca mais voltou. Era apenas a sétima rodada. E durante a caminhada, lacunas absurdas não foram preenchidas (como a de um centroavante) e, ainda, peças fundamentais foram perdidas. Leandro Barcia por lesão e Lucas Mugni e Jonathan Gomez por consequência da escassez de recursos e descumprimento de acordos previstos em contratos.

O modelo defensivo de jogo é difícil de ser digerido para muitos. Um leitura contraditória e extremamente prejudicial ao trabalho se estabeleceu de fora pra dentro: Os ganhos trazidos por esta forma de atuar acabaram sendo transformados em munição contra o próprio modelo de jogo. “O time pode mais”, disseram incontáveis vezes. Mesmo quando o próprio Jair tentou dar este passo além (no momento em que o time alcançou a 6ª posição) e viu sua equipe produzir atuações ridículas, o exemplo não foi suficiente para os críticos. Jornalistas, torcedores e…dirigentes. Uma pressão insana sobre o técnico foi sendo alimentada. As derrotas em casa para Atlético/GO e Vasco e fora para São Paulo e Santos levaram a situação ao limite. A demissão de Ventura foi defendida, inclusive, internamente.

Quem resistiu, salvou o ano. Quem sustentou o escudo de proteção do trabalho em curso foi responsável foi diferenciar o Sport dos outros clubes que disputavam ponto a ponto a permanência – e que foram pelo caminho “mais fácil” de tentar criar fatos novos com ciclos curtos de treinadores.

Capítulo 4: Os jogadores

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Quando trouxe Jair Ventura, a direção tinha consciência do modelo de jogo que seria imediatamente implantado. Mas havia uma outra face do trabalho do treinador que ninguém contava: Dedicação, extremo profissionalismo e capacidade de liderança em um elenco fragilizado não apenas tecnicamente, mas também moral e financeiramente – em uma realidade de constantes (e inevitáveis) atrasos salariais. A virada de chave foi impressionante. O ambiente foi positivo sempre – apesar de tantos problemas que foram surgindo. A chama acesa resistiu até o fim.

Aqui entram em cena os jogadores. Não é comum a construção e sustentação de um ambiente com tamanha estabilidade e entrega incansável durante uma jornada tão longa e marcada por turbulências de todas as formas. Lideranças positivas dentro e fora de campo – como Patric, Marcão, Maidana, Adryelson e Thiago Neves – tiveram papéis decisivos. Repito: dentro e fora de campo. Sobre desempenho, a dupla de zaga é um capítulo à parte da campanha. Sem dúvida, uma das melhores desta Série A. Qualquer outro destaque técnico vem abaixo dos dois. E existiram outros: A recuperação de Marcão depois de um 2019 tão fraco foi impressionante, assim como a postura segura de Polli e a dedicação de Thiago Neves – um “oásis” de qualidade técnica em momentos decisivos. Diria que esses dois últimos tiveram altos e baixos que também marcaram outras peças fundamentais na difícil sobrevivência: Patric, Júnior Tavaes, Betinho, Mugni, Barcia, Marquinhos e Dalberto integram este segundo grupo. Um terceiro também merece destaque. Reservas que “seguraram” a onda quando necessário: Prata, Ronaldo e Thyere. Importante ainda destacar a coragem de Jair Ventura em utilizar a base para tentar soluções urgentes: Ewerthon foi uma boa alternativa depois das saídas de Mugni e Gomez; enquanto Juba e Chico fizeram sua parte e, naturalmente, ganharam solidez.

Epílogo: Dias melhores virão?

Individualmente, esses atletas não formam uma equipe forte de Série A. Com exceção de Maidana e Adryelson, nenhum deles deve integrar a lista de desejos de clubes que pretendem disputar o Brasileiro na “primeira página”. Mas o futebol não é uma equação matemática. O texto precisou ser longo para tentar explicar minimamente como essa composição resultou em um padrão de alta competitividade. Doses precisas de frieza e emoção foram combinadas com precisão por Ventura e pelos líderes do grupo. Fora de campo, essa balança de frieza e emoção não foi tão equilibrada. Erros graves foram cometidos em várias frentes do clube, gerando uma avalanche de problemas. Alguns corrigidos, muitos contornados e outros, simplesmente, seguiram causando um risco extremo de inviabilizar a caminhada. E seguem. De toda forma, a temporada 2020 fecha com o Sport um pouco mais distante do colapso pós-2018 e um pouco mais perto de um futuro com a retomada do seu crescimento. Dias melhores virão? Por enquanto sim. Mas não há como garantir que vão durar por muito tempo. Como não duraram entre 2019 e 2020. Hoje, calmaria. Amanhã, tempestade. Assim é o Sport. Lição básica número 1.

Ainda não será em 2021 ou mesmo em 2022 que o clube reencontrará o equilíbrio financeiro. Não existe milagre. Por mais que parte significativa da receita seja reestabelecida na próxima temporada, as dívidas seguirão explodindo na porta da Ilha do Retiro. Naturalmente, as perspectivas são melhores. Um passo crucial foi dado com a permanência. Mas está claro que os próximos passos precisam de outros caminhos. Outras portas precisam ser abertas. Oxigenação financeira, moral, mas também conceitual. Para que, em dezembro de 2021, a permanência na 1ª divisão não precise ser comemorada como um título. E muito menos precise de um textão para tentar entender como isso foi possível.

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2 Comentários

  1. Ozimar Manoel Dantas Pascoal

    Com todo respeito a todos os técnicos que aqui deram do seu melhor para meu amado Sport, eu quero deixar claro que em plena pandemia, com esse letal covid-19, que nosso maior líder fez questão de ser omisso, eu digo: nossa vacina chegou a tempo. Seu nome JAIR VENTURA. Obrigado professor, não tivemos uma gripinha, foi uma situação real. E vcs jogadores, o brigado pelo SANGUE. 👏👏👏👏👏👏

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  2. Salvio Viana

    Felizes colocações, atentando principalmente para as imensas dificuldades em 2021 e até 2022, tomara que as eleições que estão por vir não sejam mais uma declaração de Guerra mas sim traga alguma unidade em um Clube que ainda agoniza na UTI do decadente futebol brasileiro.

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