BABahiaJuliana Lisboa
“Não queria jogar futebol, queria jogar no Bahia”
Nessa terça-feira, 30 de março, levei meu pai para receber a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Ele escolheu a Fonte Nova, entre os 32 pontos de vacinação disponíveis na capital baiana. Nada mais justo: meu pai é um dos maiores torcedores do Bahia que eu conheço (muita gente acha isso de pais ou pessoas próximas, mas eu vim munida de argumentos).
Na fila, que foi até rápida, deu tempo pra bater um papo. E sobre várias coisas, do trabalho até a maluquice que está sendo essa rotina pandêmica mesmo depois de um ano. Mas quando subimos a ladeira que deu acesso ao estádio e chegamos à “ferradura”, meu amigo… Meu pai ficou quieto. Passou um tempo olhando aquela arquibancada vazia, aquele gramado verdinho sem ninguém. Foi a primeira vez em mais de um ano que ele entrou na Fonte Nova.
E ele mesmo quebrou o silêncio: “Você sabe, entrar em campo com isso aqui tudo cheio de gente é uma sensação indescritível”.
E engatou a falar de quando ele jogou pelo Bahia. Essa é uma história que ele gosta muito de contar, história que volta e meia aparece no meio das conversas regadas a vinho que temos na varanda lá de casa. E ele sempre se espanta de como a gente sabe de cor as palavras que ele usa, a ponto de terminar as frases do jeitinho que ele conta. Mas dessa vez eu deixei ele falar. Porque dessa vez foi diferente.
“Tá vendo ali? Foi onde seus tios ficaram pra me assistir. Você sabia que dá pra ouvir tudo de dentro do gramado? Dá pra ouvir todo torcedor te xingando. É impressionante. Jogar sem torcida deve ser uma coisa muito estranha. Ou não, né, jogador de futebol hoje em dia deve se acostumar com essas coisas. Na minha época, não”.
Meu pai, Pedro Barachisio Lisboa, fez um jogo apenas pelo Bahia: uma partida amistosa com o Palmeiras da Barra, que foi preliminar do Campeonato Brasileiro. Ele tinha 18 ou 19 anos e foi uma das crias do lendário Hélio Tapioca, que, por sua vez, foi um dos principais entusiastas da base na Bahia – trabalhou no tricolor e no Vitória também.
Meu pai fazia parte do time de aspirantes do Bahia daquele ano de 1974 (ou talvez 1973), era um clássico quarto zagueiro. Era fã de Roberto Rebouças, “um craque”, e dizia que se inspirava nele pra ser um “beck técnico”. Foi colega de time de Jorge Campos, atacante que viria a ser ídolo do Bahia anos depois. Treinava na Fazendinha, antigo centro de treinamento no bairro Costa Azul. Segundo ele, naquele dia foi surpreendido no portão de casa por João Heck (ponta direita que também viria a se profissionalizar).
Disse Heck: “Ô Bob (apelido de meu pai), Hélio falou que se você quiser jogar hoje tem lugar pra você”. E meu pai correu pra pedir a autorização de meu avô, que era contra ele jogar futebol.
O trato foi o seguinte: ele jogaria essa única partida e faria vestibular pra Direito. E assim foi.
“Eu não queria ser jogador de futebol, eu queria ser jogador do Bahia”. E no único jogo que meu pai fez pelo Bahia, ainda que numa partida preliminar amistosa com o time de aspirantes, ele realizou um sonho. Jogou pelo time dele na Fonte Nova.
(ele até realizaria outro sonho pelo Bahia, dessa vez como advogado, durante o processo de intervenção que democratizou o clube, mas essa é outra história)
De certa forma, ele reviveu esse dia no momento em que entrou no estádio que ele ama não para ver o Bahia em campo, mas para se vacinar. Achei isso simbólico, especialmente quando clubes emprestam suas casas para promover a vacinação (o Vitória fez o mesmo com o Barradão, aliás). O futebol, portanto, segue sendo muito mais que futebol…
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Heder
31 de março de 2021 a 11:56
Fernanda, que notícia maravilhosa. Depois nos conte a história de seu Pai no processo de intervenção. O Bahia é isso, a história das pessoas que o compõe.