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Minúcias: por que é tão difícil contratar?

Florentino Pérez ao lado de Beckham, Figo, Zidane e Ronaldo na primeira 'era galáctica' do Real Madrid. Foto: Real Madrid/ Divulgação

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É chegado um momento de limbo na pré-temporada futebolística brasileira, especialmente para os torcedores. A maior parte dos times já tem sua cara formada e novidades até as estreias tendem a ser escassas. As as expectativas estão lapidadas – não apenas para o debute, mas para todo o ano.

Exceto para os adeptos de equipes atualmente ultracapitalizadas (Atlético/MG, Flamengo e Palmeiras), o discurso (e o sentimento) de que é cada vez mais difícil contratar toma lugar. Sobretudo no Nordeste, região munida de menos recursos financeiros e com clubes imersos numa crise que só não é geral por conta do oasis cearense, esse feeling é crescente e “inflacionado” foi talvez o adjetivo mais associado à atual janela do mercado da bola. Por que é cada vez mais difícil para seu time contratar bem?

Há uma famosa história narrada pelo ex-diretor do Real Madrid, Jorge Valdano, na qual Florentino Pérez, magnata com duas gestões à frente do clube merengue, optou por declinar a contratação de Kaká em meados de 2002 (quando o valor de mercado do meia ainda não era dos mais altos) para esperar que o jogador se consolidasse como um dos melhores do mundo e, enfim, comprá-lo (o que aconteceu em 2009, pouco depois de Kaká ser eleito o melhor jogador do mundo em 2007).

Nos anos 2000, o Real Madrid comprou em escala diversos jogadores recém-aclamados com o prêmio de melhor do mundo, quase que imediatamente após o recebimento do prêmio. O português Figo foi comprado em 2000, logo após ser eleito o 2º melhor do mundo – menos de 1 ano depois subiu a posição derradeira no ranking. Zidane foi comprado em 2001 após duas nomeações. Em 2002, Ronaldo chegou com o brilho do penta no oriente. Cannavaro veio 4 anos depois, também após um título de Copa. Kaká e Cristiano Ronaldo foram trazidos em em 2009.

Quase 13 anos depois da janela em que o Real Madrid comprou os dois últimos melhores jogadores do mundo, não houve sequer outra vez em que tal movimento tenha se repetido. Isso se deve, principalmente, a polarização do prêmio pela dupla Messi e Cristiano Ronaldo, mas também a uma mudança no funcionamento do mercado da bola que se aplica tanto ao funcionamento opulento de Florentino Peréz quanto ao modus operandi do diretor abnegado do seu time.

Pérez segue sendo o principal tomador de decisões em Madri, mas essas decisões não são as mesmas de 20 anos atrás. Se há duas décadas era possível perceber o potencial de um talento como Kaká, optar por esperar a maturação desse talento e enfim contratá-lo, atualmente a espera é condenada e cada vez mais os principais investimentos no futebol são feitos em jovens com idade entre 17 e 23 anos. As precoces idas de Rodrygo e Vinicius Júnior para o Real Madrid materializam tal alteração na conduta merengue.

Não é difícil entender o porquê dessa nova condução. A formação de conglomerados tais como o City Footbal Group ou as franquias da Red Bull existem com o propósito de identificar o mais cedo possível fenômenos não ainda não percebidos (e, consequentemente, não precificados) e contratá-los. Os times que conseguem realizar tais contratações diferem no objetivo: alguns procuram a revenda, outros o desenvolvimento dentro de uma linha de trabalho e a longevidade daquele talento num time. Se Kaká fosse 20 anos mais novo e sua contratação estivesse sendo debatida agora na Espanha, Florentino Pérez precisaria trazê-lo ou correria o risco de nunca vê-lo jogando por seu time.

Contextualizando tal prática no cenário nacional, essa prática foi comum no Cruzeiro antes do colapso do clube em 2019. Nomes como o de Rony (Palmeiras) e Marinho (Santos) são exemplos de atletas comprados pela Raposa que pouco (ou nunca) jogaram pela equipe. Esses, claro, são raros exemplos de jogadores que despontaram. A maioria das promessas prospectadas e adquiridas (quase sempre em valor pouco apropriado) jamais decolou, resultando em parco retorno técnico e nenhum retorno econômico.

E há um efeito dominó inerente a prática de concentrar o mercado.

Até alguns anos atrás, os grandes times do país eram, comumente, produto de investimentos privados que se provavam prejudiciais aos clubes a médio prazo. O Corinthians que caiu em 2007 era uma pobre sobra do Corinthians da MSI de 2005. O Palmeiras pós-Parmalat precisou esperar mais de 10 anos até a chegada da Crefisa no fim de 2014, com dois rebaixamentos na conta. Nessa época, os grandes times eram apenas isso – grandes times com prazo de validade. Elencos caros montados com base no aglomerado de jogadores de alto nível técnico e já precificados no mercado. A medida que os jogadores envelheciam ou deixavam o clube, era necessário um novo aporte maciço de capital para contratar novos craques, pois não havia trabalho de base ou prospecção de ativos baratos. Projetos insusentáveis.

A impossibilidade de se replicar este cenário no contexto atual pode ser replicado nos dois seguintes exemplos: o Corinthians de 2005 tinha como um de seus principais jogadores o meia Carlos Alberto, então com 21 anos, que em 2004 assinalara um dos gols do Porto na final da Liga dos Campeões contra o Monaco. É possível imaginar qualquer jogador campeão europeu jogando no Brasil no ano seguinte? Voltemos dez anos no tempo, quando Romário retornou ao Brasil para jogar no Flamengo em 1995 logo após ser eleito o melhor do mundo em 94. Plausível na década de 2020?

A medida que alguns clubes se diferenciaram em demasia no âmbito financeiro, passaram a montar elencos que, além de qualificados, eram numerosos. O Palmeiras de 2018 não precisava investir na compra de Arthur Cabral ao Ceará. O clube começou 2019 com nomes como os de Dudu, Ricardo Goulart, Borja, Deyverson, Willian Bigode e Henrique Dourado na linha ofensiva. Ainda assim, alguns milhões foram investidos na aquisição de Arthur Cabral – sem que houvesse o menor intento de utilizá-lo regularmente ou emprestá-lo a qualquer time brasileiro.

Antes de se transferir para o Basel, da Suíça, Arthur Cabral fez apenas cinco jogos com a camisa alviverde. Para o Ceará, qualquer reposição à altura, mesmo com cinco milhões embolsados, era improvável, e para o resto do mercado, era um nome a menos disponível.

A lei fundamental da economia que trata de oferta e demanda sempre funcionou com base em limitação quantitativa no futebol. O mercado de jogadores é amplo, mas o mercado de bons jogadores é escasso, e mais escasso ainda é o mercado de bons jogadores pelos quais seu time pode pagar. E, principalmente, mesmo para os mais privilegiados, o mercado sempre foi impossível de ser absorvido. Com certeza existem diversos bons atacantes por aí, mas isso não é interessante para quem já dispõe de 5 ou 6 atacantes. Ou ao menos não era.

Quando o Palmeiras e seus similares demonstram ao mercado que mesmo que seus elencos já estejam suficientemente preenchidos em todas as posição existe disposição (e capital, obviamente) para comprar jogadores, o preço desses atletas evolui no conceito de FOMO – Fear of Missing Out. O Palmeiras não teria como saber se Arthur Cabral poderia se tornar um atleta da mais alta prateleira do futebol brasileiro sem utilizá-lo regularmente, inserindo-o em diversos contextos. O Palmeiras não tinha interesse em validar esse potencial. Mas o Palmeiras tem medo. O que acontece se o Flamengo comprá-lo e ele virar o principal atacante flamenguista? Na dúvida, é melhor investir e depois resolver.

E quando o mercado inflaciona numa ponta, a inflação reverbera até alcançar a outra, tornando os melhores jogadores mais restritos a um grupo reduzido de times. Restrição que aumenta com o surgimento de times com novas propostas (Cuiabá, RB Bragantino) e com novos projetos. Um case interessante é o Athletico/PR.

Em 2006, o Athletico veio ao Nordeste para tirar Givanildo Oliveira do Santa Cruz. O Náutico foi o alvo em 2008 e 2009, com as perdas de Roberto Fernandes e Waldemar Lemos, respectivamente. Ainda que já fosse um time mais estruturado e com um nível de planejamento impensável mesmo nos padrões atuais para a maioria dos principais times do Nordeste, o Athletico concorria basicamente na mesma faixa de mercado dos nordestinos que habitassem a Série A. Em 2007, o Sport comprou ao Athletico o goleiro Cleber, titular da meta do Furacão durante todo o ano de 2006, por R$ 1 milhão. Em que momento do mercado atual é possível pensar no Athletico buscando técnicos de equipes pernambucanas, ou vendendo um jogador amplamente utilizado para um concorrente de divisão no Nordeste?

Mas o Athletico segue concorrendo com as equipes da região. Em outros veículos. Do início ao fim do ano de 2021, o Náutico insistiu em obter o empréstimo do goleiro Anderson, que disputou a reta final da Série B 2020 pelo clube. A permanência foi negada pois o intento do Athletico era utilizá-lo no Campeonato Paranaense – pelo time B do clube. Vários jogadores que até recentemente compuseram esse mesmo time B estão sendo cogitados no Sport, possivelmente no intuito de obter no rubro-negro o desenvolvimento provido pelo CRB ao atacante Jajá, um dos destaques da Série B 2020. Com poucas exceções, os times do Nordeste concorrem no mercado não com o Athletico/PR, mas com seu time de laboratório.

Uma sugestão de exercício: volte dez ou quinze anos no tempo e compare (preferencialmente sem clubismo) quantos clubes poderiam, numa soma de fatores (recursos, vitrine, momento) estar a frente de seu time no mercado e quantos estão agora. A presença de Cruzeiro, Grêmio e Vasco na Série B agrava a situação. São três clubes que, possivelmente, sempre estiveram à frente do seu no mercado, e o rebaixamento deles pouco impacta no grau de atratividade de mercado dessas equipes pelo fator vitrine – são times com excessiva exposição. Mas há outros três ocupando o outrora garantido espaço desses três na Série A que, possivelmente, estão à frente do seu time no presente.

Segue o meu exercício pessoal: quando o Náutico estava na Série B, em 2011 (ano do último acesso do clube à Série A), seguramente haviam 20 times (os da Série A) em melhor posição mercadológica. Desconsiderando a atratividade sazonal do Campeonato Paulista, existiam na Série B outros 7 times que, por uma soma de fatores, estavam à frente mercadologicamente: Sport e Vitória (Nordeste), Goiás (Centroeste), Guarani, Ponte Preta, Portuguesa e São Caetano (São Paulo). Numa abordagem crua, é possível dizer que, em 2011, o Náutico fosse o 28º time em posição de mercado no país.

Estando nesta mesma Série B em 2022, o cenário é diferente. Há na segunda divisão alguns times irrefutavelmente acima em patamar mercadológico: Cruzeiro, Grêmio e Vasco, compondo a trinca de mais visibilidade, e os recém-rebaixados Bahia e Sport. A dupla alagoana CRB e CSA convive com um presente bem mais organizado e possui folhas mais altas. Guarani, Ponte Preta e Novorizontino, filiados à federação mais rica do país, são outros munidos de mais receitas. É claro que há pontos de debate: a vitrine de se jogar um Campeonato Paulista pelo Novorizontino é de fato maior que jogar a Copa do Nordeste pelo Náutico? No mínimo, podemos dizer que são clubes do mesmo patamar. Tais como clubes que possuem forte e recorrente injeção de capital, como Brusque, Operário Tombense. E há ainda fatores limitadores, como o time de transição do Athletico/PR, a existência do Campeonato Brasileiro Sub-23 que limita o interesse dos clubes mais abastados em emprestar seus jovens jogadores inutilizados. O potencial de mercado do Náutico é bem menor se comparado com este mesmo ponto da década passada.

Cada vez mais é menos provável que sobrem bons jogadores nos últimos dias de janela do mercado (tal como este) para seu time do coração.

Um advento que potencializa ou minimiza esta competição e a inflação consequente é a análise de mercado. Clubes que a utilizam bem e agem estrategicamente conseguem maior assertividade, economia e agilidade. Se seu clube aderiu à tal metodologia, é provável que esteja colhendo, ou venha a colher muito em breve, resultados. Caso não, talvez mesmo clubes abaixo deles no seu “ranking atual de atratividade” estejam executando uma janela “melhor”.

Utilizei aspas pois categorizar o mercado como melhor ou pior, neste momento, é imprudente. A assertividade de mercado é baseada não nos primeiros jogos ou mesmo no primeiro campeonato de uma determinada equipe. É baseada no ano, ou mesmo em alguns anos, a depender do projeto concebido. A reação aos primeiros resultados é um fator primordial na percepção da adequação do mercado às demandas percebidas no final da última temporada. Há uma lista razoável de razões pelas quais uma equipe pode não performar bem num início de temporada. Dirigentes, executivos e alguns treinadores costumam apelar para reformulações, pois dispensar atletas e contratar substitutos é a forma mais fácil de responder aos anseios imediatos do torcedor, mas tais reformas impossibilitam a avaliação da causa da má performance.

Acostumar-se a dificuldade de se contratar jogadores consagrados ou altamente visados no mercado é recomendável, e o melhor recurso para mensurar o que é possível esperar do seu time a médio prazo é buscar entender se há lógica na atividade de mercado em cada janela. Sobre isto, escrevi um texto com algumas provocações na última semana.

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