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Opinião: o reencontro de Náutico e Roberto Fernandes em busca de suas recuperações

Foto: Léo Lemos/CNC

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Náutico e Roberto Fernandes. Uma relação que, no âmbito profissional, completa quinze anos neste 2022. Na quinta passagem, o primeiro objetivo é a conquista do título estadual, mas o maior desafio é obter competitividade na Série B.

O adjetivo é sublinhado pois a ausência de resultados contra equipes mais qualificadas grita mais que o parco desempenho ao longo de todo o ano. Diante de adversários de Série B, o Náutico conheceu apenas a derrota em 2022. Foram duas derrotas para o Sport (uma pela Copa do Nordeste, a outra pelo Campeonato Pernambucano), uma para o CSA (na Copa do Nordeste), uma para o Londrina e uma para o Bahia (essas pela Série B).

Tal cenário não é menos conturbado que qualquer outro início de trabalho de Roberto Fernandes no alvirrubro pernambucano. Em 2007 e 2008, na Série A, chegou com a equipe na zona de rebaixamento; em 2010 e 2017, na Série B, assumiu em meio a graves crises políticas e financeiras. O ineditismo deste novo recomeço é que será o campeonato nacional no qual Roberto Fernandes terá mais tempo de trabalho à frente da equipe. Restando 36 rodadas, há margem suficiente para o treinador redefinir imagens na competição: a do Náutico e a dele próprio.

Sim, pois com mais de 20 anos de carreira, Roberto Fernandes possui uma imagem consolidada diante do mercado, algo essencial na análise deste retorno. Em 2007, era um treinador emergente, e é possível dizer que poucos colegas de profissão (sobretudo sem uma carreira prévia como atleta) obtiveram uma ascensão tão acelerada quanto Roberto.

De auxiliar técnico em clubes pequenos do Recife, passando pelo prêmio de treinador revelação da Série B (em 2004, pelo Anapolina), Roberto Fernandes chegou à Série A com menos de 10 anos de carreira, numa missão que poderia ser considerada suicida: livrar o Náutico do rebaixamento. Naquela ocasião, o timbu vivia sua reestreia na elite após um longo inverno de 12 anos distante. Dizer que Roberto apenas cumpriu a missão, finalizando o campeonato com o time em 15º lugar, é injusto. Muitos pontos precisam ser enaltecidos naquele trabalho, que possivelmente representa a obra-prima de sua carreira:

  • o deslanche de Acosta, vice-artilheiro da competição com 19 gols e vencedor da “Bola de Prata”;
  • a série de 5 vitórias consecutivas (entre a 24ª e a 28ª rodada), até hoje a maior de um clube do Nordeste no Campeonato Brasileiro de pontos corridos;
  • o repertório tático, marcado pelo uso do então capitão Daniel Paulista como terceiro zagueiro e o apoio dos laterais Sidny e Júlio César (juntos, marcaram 9 gols no torneio);
  • o desempenho ofensivo que culminou no 2º melhor ataque da competição, com 66 gols (sendo 56 deles com Roberto).

Esta soma de fatores fez de Roberto Fernandes o técnico revelação daquele campeonato e o colocou em evidência no mercado. Ainda no primeiro semestre de 2008, foi contratado pelo Athletico/PR. A chegada ao rubro-negro pode ser dividida entre o ápice da carreira e o fim da ascensão do treinador.

Os dois resgates bem-sucedidos ao Náutico em 2007 e 2008 começaram a caracterizar Roberto Fernandes como um treinador “bombeiro”, e talvez fosse o momento de começar a recusar propostas de salvamento para oportunizar convites menos turbulentos. Não foi o que ocorreu. Roberto passou a aceitar recorrentemente o socorro a equipes em apuros:

  • em 2009, acudiu o Fortaleza na 27ª rodada da Série B, falhando na missão de evitar o rebaixamento para a Série C;
  • em 2010, retornou ao Náutico para substituir Alexandre Gallo na 26ª rodada objetivando espantar o fantasma da queda. Obteve sucesso.
  • em 2013, iniciou trabalho no ABC na 14ª rodada também da Série B, contribuindo efetivamente para o clube escapar de um rebaixamento que parecia certo.
  • em 2014, foi o América/RN quem buscou os serviços de Roberto antes da 30ª rodada da segundona. O clube acabou rebaixado para a Série C.
  • em 2017, volta a um combalido Náutico na reta final do 1º turno da Série B e não consegue evitar o rebaixamento;
  • em 2018, assume pela primeira vez o CRB e livra o clube de qualquer risco de queda;
  • em 2019, retorna ao ABC para tentar livrar o clube da queda à Série D, missão que acabou não cumprindo;
  • em 2020, torna a ser contratado pelo CRB e obtém um aproveitamento de acesso nas rodadas finais da competição;
  • em 2021, foi convocado pelo Santa Cruz e acaba rebaixado a Série D com o tricolor.

Possivelmente por se posicionar ativamente no nicho de treinadores bombeiros e quase sempre herdar trabalhos malditos, Roberto Fernandes jamais conquistou um acesso, em qualquer divisão. Desde sua primeira passagem pelo Náutico, em 2007, as únicas vezes que Roberto Fernandes iniciou uma Série B foram em 2009, pelo Figueirense (foi demitido na 21ª rodada) e em 2012, pelo América/RN (comandou o time potiguar em todas as 38 rodadas, concluindo o campeonato na nona colocação).

Praticamente não há mais mercado para Roberto Fernandes na Série B. A recorrência do treinador na divisão é cada vez mais diminuta e, na última meia década, aconteceu somente comandando CRB e Náutico – clubes onde o treinador possui mercado, independente da divisão. Mas o “RF” não é o mesmo de 2007 e, para lograr sucesso nesta nova passagem, precisa se reinventar e abolir vícios que detonam seus trabalhos.

Roberto tomou gosto pelas redes sociais, em especial o Instagram, e adquiriu uma prejudicial fama de “blogueiro” que marcou negativamente sua reputação em alguns momentos, como no América-RN. Além disso, tem tido o costume de distorcer dados que são “engolidos” por quem ouve suas falas em função do distanciamento temporal, mas que facilmente podem ser desqualificados com pouca pesquisa. Considerem, por exemplo, este vídeo, avidamente compartilhado pela torcida do Náutico nos últimos dias, com uma fala de Roberto Fernandes em seu último trabalho no alvirrubro que disseco abaixo:

Eu venci todos os clássicos que disputamos aqui dentro (do estádio dos Aflitos) como mandante.

Ao todo, Roberto Fernandes comandou o Náutico nos Aflitos em seis diferentes clássicos, listados abaixo cronologicamente:

  • 23/09/2007 – Náutico 2×0 Sport – Série A 
  • 16/03/2008 – Náutico 0x1 Sport – Campeonato Pernambucano
  • 01/02/2009 – Náutico 2×2 Santa Cruz – Campeonato Pernambucano
  • 30/01/2009 – Náutico 3×1 Santa Cruz – Campeonato Pernambucano
  • 17/04/2009 – Náutico 1×0 Sport – Campeonato Pernambucano
  • 01/05/2009 – Náutico 3×2 Sport – Campeonato Pernambucano

A lista evidencia a inverdade, com dois tropeços no percurso logo nos três primeiros clássicos disputados.

Disputei duas Séries A aqui dentro com um aproveitamento acima de 70% […]

Em 2007, o aproveitamento de Roberto Fernandes em 15 jogos como mandante na Série A foi de quase 58%; em 2008, foram 11 jogos nos Aflitos e um aproveitamento de quase 64%; na média, um aproveitamento de 60% – um excelente número, que torna desnecessária qualquer distorção. Os serviços prestados ao Náutico são mais que suficientes para ressaltar a importância da figura para o clube. Além de desgastar o torcedor, é possível que a fama que carrega de perder seus elencos derive de comportamento similar diante dos atletas que comanda.

O alvirrubro precisa estar atento às coletivas de Roberto Fernandes e questionar suas falas, averiguar suas afirmações (como deve fazer com qualquer outro treinador); e Roberto precisa se ater ao trabalho e deixar o passado no passado. O que o credenciará para voltar ao patamar já distante de um treinador de elite (seu último jogo numa Série A foi em julho de 2010) é a qualidade do trabalho, e não a distorção do que está consolidado.

O vídeo publicado em sua conta pessoal do Instagram pouco após o anúncio oficial de sua volta na conta institucional do Náutico talvez simbolize a relação de Roberto Fernandes com as redes sociais. Compilando comentários de torcedores e jornalistas, quis mostrar o apoio popular pela sua volta. Não é possível dizer se durante os trabalhos à frente dos clubes por onde passa Roberto dá a mesma atenção ao que é comentado pela massa crítica de adeptos, mas se sim, esse é um comportamento nocivo, visto que nem sempre o torcedor está certo e a corrente pode influenciar no processo decisório. Trabalhar offline pode fazer bem a Roberto, pensando nas duas missões que tem pela frente.

A primeira delas é o Campeonato Pernambucano, com uma final a ser disputada contra o Retrô, corrente inédito na briga pelo título e que nessa temporada já venceu o alvirrubro dentro do estádio dos Aflitos, por 2×1. No currículo de Roberto, constam cinco títulos estaduais:

  • o brasiliense de 2007, vencido com o Brasiliense;
  • o potiguar de 2012 e o de 2015, ambos vencidos com o América/RN;
  • o paraense de 2014, vencido com o Remo;
  • o pernambucano de 2018, vencido com o próprio Náutico.

O foco precisa estar dobrado pois, além do trabalho qualificado do Retrô, líder da primeira fase do torneio e com duas vitórias nos dois jogos mais recentes, os próprios percalços mais pesados da carreira de Roberto Fernandes em finais de campeonato ocorreram justamente nas finais teoricamente mais acessíveis:

  • em 2010, perdeu, com o Brasiliense, a final do campeonato brasiliense para o Ceilândia;
  • em 2011, perdeu, com o Paysandu, a final do campeonato paraense para o Independente de Tucuruí. Nesta ocasião, Roberto viveu o cenário mais próximo da atual realidade alvirrubra, pois foi contratado pelo Papão com o clube já classificado para a final estadual e tendo como primeiro jogo oficial à frente da equipe a partida de ida da decisão;
  • em 2013, perdeu, com o América/RN, a final do campeonato potiguar para o Potiguar de Mossoró.

Na Série B, Roberto precisa primeiro alcançar o primeiro objetivo: livrar o Náutico do flerte com o rebaixamento. Concluir as 36 rodadas com o alvirrubro é um desafio e tanto para o treinador, que nos últimos anos possui uma rotatividade alta em seus trabalhos. Alcançar o acesso, pelas limitações do elenco, é quase utópico, mas seria um divisor de águas tanto para o Náutico, que em 2023 completará 10 anos longe da Série A, quanto para Roberto Fernandes, ainda carente de um acesso.

Sem dúvidas, para Roberto Fernandes e para o Náutico, o melhor seria que o treinador chegasse com o foco em deixar o clube o quanto antes – para alcançar condições melhores, como aconteceu quando escolheu trocar o timbu pelo Athletico/PR, em 2008. O foco em acompanhar a opinião da imprensa e da torcida precisa dar lugar ao cuidado extremo nas repercussões que suas decisões têm para o mercado. Ao fim de 2007, em alta no mercado, Roberto Fernandes renovou contrato com o Náutico, mas discursando seu intento de em pouco tempo treinar as maiores equipes do país e disputar títulos de grande porte como Brasileiro e Libertadores. Hoje, parece satisfeito em ser chamado pelos mesmos clubes para realizar as mesmas missões.

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